domingo, 12 de dezembro de 2010

O porquê

Saí do apartamento como se um peso imenso houvesse se abatido sobre mim. O bater da porta nas minhas costas me pareceu um som abafado, mesmo a sentindo fechar a poucos centímetros de mim, eu ouvi o som como se este tivesse vindo das profundezas de um poço. Não sei por quanto tempo permaneci imóvel amparada pela porta, creio que uns cinco minutos, esse deve ser o tempo médio que a luz do corredor permanece acesa até que não se detecte nenhuma presença. No escuro, contemplei imóvel a escuridão e pensei: "o que devo fazer?". Dei um passo e a luz se acendeu, mais seis passos em direção ao elevador a minha frente, apertei o botão e olhei o painel. Vagarosamente me virei em direção a porta. O corredor me pareceu saído de um filme de terror, uma luz amarela debilmente manchava as paredes com reflexos sinistros, os umbrais produziam sombras lúgubres nas portas, o ar gélido e úmido lembrava o de uma tumba, exceto pelo cheiro de eucalipto. Passei os olhos por cada uma das portas até aquela de onde eu havia saído. Um minuto me pareceu uma eternidade, saí pela escada de incêndio.

O cenário não melhorou muito, mas pelo menos o formato espiralado dos corredores me impulsionava para baixo. O movimento me acalmava, pois sabia que me conduzia em direção à saída, os pés mal sentiam o atrito com os degraus, uma das mãos osculava o corrimão e a outra espalmada tocava a parede oposta somente com a ponta dos dedos. Os olhos permaneciam fixos no chão e a sensação era como se eu estivesse presa numa cena que se repete infinitamente. Em poucos instantes a cadência da descida e a velocidade simulavam o efeito de voo, e quando cheguei ao fim me joguei contra a porta ao mesmo tempo que me pendurava na pesada maçaneta. Uma força violenta e magnética fez a porta se chocar contra a parede adjacente enquanto fui arremessada ao chão. Não haviam olhos para contemplar a cena, senti-me aliviada e ao mesmo tempo desamparada. Permaneci no chão na esperança de que o baque da porta metálica contra a parede pudesse atrair a atenção de alguma alma que vagava pelo corredor. Nenhum movimento, nem um eco, nenhuma luz, nenhuma aparição. Eu me levantei e caminhei para fora do prédio.

O contraste entre a escuridão do interior e a luz do dia fez meus olhos doerem. Meu corpo sentia o efeito da queda, a perna direita trepidava por causa da dor do impacto e o braço certamente exibiria um hematoma no dia seguinte. Tateei o fundo da bolsa em busca da chave do carro, e esta não me deu trabalho dessa vez. O mundo passou como um borrão até o instante em que me vi sentada atrás do volante. De repente tudo veio à tona, cada palavra, cada cena retida na memória e até mesmo o cheiro, então revivi tudo daquilo que havia se passado a poucos minutos. Jamais imaginei tal desfecho para aquele encontro, e o peso da surpresa me subjugava. Milhares de perguntas brotavam em minha mente, e nenhuma delas tinha resposta. O ar ficou rarefeito enquanto me questionava, uma angústia faminta foi tomando o meu peito e as lágrimas se precipitaram dos meus olhos. Minha garganta parecia atada, o ar não descia, nem subia. Agarrei o volante com ambas as mãos, joguei a cabeça para trás, e puxei o ar com toda a força que me restava, o peito inflou e em resposta imediata veio um grito dolorido.

Peguei uma caixa de lenços esquecida no porta luvas, e só depois que a esvaziei foi que enfim coloquei o carro em movimento. Não importava o destino, tudo o que eu precisava era me afastar do lugar onde estava, por isso me aventurei por caminhos nunca antes percorridos, mas inevitavelmente cheguei ao mar. Deixei o carro na beira de uma praia e caminhei até a beira d'água, sem forças despenquei na areia e comecei a chorar novamente. Após um tempo olhei ao redor e eis que um pôr do sol se ensaiava no horizonte. Pensei: "Isso agora é inútil, não existe beleza que apague o que me aconteceu hoje. Maldito seja! Até isso você tirou de mim!" O mar estava plácido e liso como um lençol ondulante, somente pequenas ondas quebravam aos meus pés, a brisa era fresca e salina, o céu exibia tons azulados, alaranjados e rosáceos, e uma grande bola de fogo iniciava seu lento mergulho no mar. Então, foi naquele instante que aconteceu o inevitável.

Eu estava sentada apoiada com uma das mãos no chão e a outra no peito, num átimo senti como se me afogassem, uma dor pungente cresceu embaixo daquela mão pousada no coração como se a carne se rasgasse embaixo dela, a mão se fechou em punho e a comprimi com força para que a dor parasse. De olhos fechados e dentes cerrados gemi, tombei de lado e me fechei como um caramujo em sua concha. Depois de algum minutos senti a água do mar inundando a areia e me envolvendo como um manto gelado, o coração pulsava e a dor diminuía aos poucos, mas o compasso das batidas agora era diferente. Abri os olhos e estes foram inundados pelas luz dourada do sol que se banhava no mar. O riso veio inesperado, resfolegando pela garganta até se tornar alto e histérico, e o ar inundou os meus pulmões. O peito doía entre as batidas, como se a dor marcasse o compasso, mas essa dor parecia cada vez mais familiar. Olhando as estrelas que começavam a se revelar, enfim falei em voz alta:

- É por isso que chamam de coração partido.