quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Le mystère du sourire

Uma vida circunscrita. Eu li isso num livro dia desses, num desses dias, num dia em que eu aleatoriamente expandia o raio da minha vida. Raio de vida! Lá estava eu sentada numa confortável poltrona, num paraíso refrigerado, rodeada de livros e boa música, ou seja, eu me encontrava numa livraria. Eu diria, A Livraria. Gosto dela porque lá ninguém me conhece e não sou obrigada a fazer cara de feliz, aliás, somente nesse lugar posso manter minha cara taciturna com o pretexto de que estou (literalmente) com o nariz enfiado num livro. Sorrir é bom, mas em demasia faz a cara doer, já reparou nisso? Por isso gosto da taciturnidade, ta-ci-tur-ni-da-de, palavra curiosa. Todos veem isso como algo triste e solitário, o que na verdade o é, mas o que ninguém pensa é que na maior parte do tempo portamos essa máscara, pois não há escolha. Olhe para as pessoas no dia a dia, por acaso elas sorriem o tempo todo? Não, todas elas parecem taciturnas, e muitas vezes não o são, mas sorrir é especial, e por isso é preciso resguardar os sorrisos.

Pode uma vida vir a ser tão circunscrita a ponto de não valer mais a pena ser vivida? Outra coisa que li no mesmo livro, nesse dia, no dia em que eu me encontrava na livraria. Eu pensava que a minha vida era ridiculamente circunscrita, pois o meu universo havia se contraído ao meu apartamento e algumas ruas ao redor dele. Raio de vida! Vida pequena, vida vazia, vida apressada, vida estressada. Mas não nesse dia, nesse dia, eu expandia o raio da minha vida, ensaiava um pequeno experimento. Cara taciturna, olhos no livro, música a toda nos fones de ouvido e pensamentos voando soltos. Nada de diferente, eu expandia o espaço da minha vida, não sua substância, apenas queria estar num lugar "estrangeiro" pra mim. Mas então, de repente, não mais que de repente, num milésimo de segundo de um instante brevíssimo, num piscar de olhos desviados da página do livro, então, eu vi um sorriso. A cara, antes taciturna, agora esboçava um grande ponto de interrogação. Curiosidade. Ela matou o gato, e provavelmente muito mais gente, e por que não eu? 

O silêncio é tão terrível quanto aquele peso que não nos deixa fugir, nos sonhos. Essa eu li num outro livro, nesse dia, no dia em que eu me surpreendi na livraria. Um sorriso surpresa. Estou sonhando ou estou desperta? A cara trepidava entre ser taciturna e alegre, por vezes deixei escapar um sorriso também, mas o que não consegui conter foram os olhos. Ah, esse olhos! Eles, os olhos, brilhavam de curiosidade. Eu digo isso porque os vi refletidos num espelho. Aquela cara embriagada, os olhos brilhando, o sorriso trepidante e a curiosidade, tudo isso me fez tomar um susto quando vi a imagem refletida. Quem é essa moça ali no espelho?! Putain, c'est moi! Então, de repente, não mais que de repente, o universo se expandiu com uma nova ideia, uma curiosidade, com o mistério do sorriso. No entanto, a expansão foi além do espaço, algo dentro do meu peito também se expandia, como uma onda borbulhante que me inundava.

O erro das pessoas é tentar entender as outras em vez de senti-las. Essa eu li nos escritos de um amigo, dias depois, dias depois daquele dia na livraria. Não pretendo narrar as desventuras da tentativa de desvendar o mistério do sorriso, pois o mistério permanece, e assim permanecerá. Leia o escrito do amigo e quem sabe entenderá o porquê. Ou não. Afinal, tentar entender é o erro. O que importa, o que mais importa, é que a vida continua circunscrita, mas com novas dimensões. Meu novo universo me permite sentir, mesmo sem entender, e eu não preciso entender. Agora, a cara é sonhadora, mas não pede nada. Os olhos, eles contemplam, mas não pedem nada. O sorriso, ele é oferecido, mas não pede para ser retribuído. Fico feliz de poder observar meu novo universo, apenas poder ver passar o mistério do sorriso.